Entre nacionais e estrangeiros: uso e ocupação da Rua do Comércio (Santos-SP) por firmas cafeeiras por meio de anuários comerciais

Museu do Café
24 min readNov 13, 2020

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INTRODUÇÃO

A dinâmica da comercialização do café no século XIX exigia a participação de vários agentes. Impossibilitado de acompanhar seu carregamento até o litoral devido à grande distância das zonas produtoras, o fazendeiro contava com os comissários para receber e negociar o produto. As casas comissárias, por vez, utilizavam dos corretores ou “zangões” para intermediar a comercialização com as exportadoras, em geral estrangeiras, que embarcariam o café aos clientes importadores por meio de empresas de navegação.

Com a construção da estrada de ferro da São Paulo Railway em 1867, e com a expansão da cafeicultura na região de Campinas rumo ao Oeste Paulista, em detrimento do Vale do Paraíba, o porto de Santos foi gradualmente ocupando o lugar do Rio de Janeiro como o principal exportador do café. Com isso, também amadurecia a estrutura comercial ligada ao grão na cidade — comissárias, exportadoras, corretoras, bancos, empresas de navegação e armazéns. Com a modernização do porto a partir de 1890 e o aumento do volume de mercadorias movimentado, esse cenário se consolidou.

Foi nesse período de crescimento de importância da cidade que os almanaques e anuários comerciais, que já eram bastante populares no Rio de Janeiro, começaram também a ser confeccionados em versões específicas para a Província (e depois Estado) de São Paulo, e até mesmo para a cidade de Santos.

Escolheu-se para a presente análise o anuário comercial intitulado São Paulo Moderno. Publicado em 1919[1] e com uma grande seção dedicada a Santos, o impresso incluía verbetes das principais casas comissárias e exportadoras da cidade. Alguns deles vinham acompanhados por fotos das fachadas de suas sedes e armazéns. Grande foi a incidência de imóveis que se localizavam nas ruas do Comércio, XV de Novembro e suas travessas imediatas.

Durante todo esse período as atividades agroexportadoras se concentraram na porção central da cidade onde, até o século XIX, era estruturada a vila colonial. O denominado “alto comércio” ficava localizado principalmente nas ruas citadas, próximos ao local onde se construiria a Bolsa Oficial de Café alguns anos mais tarde. Desse período também vem a maioria dos prédios da região que ainda não foram demolidos ou totalmente descaracterizados, sendo possível fazer um paralelo com o presente.

O artigo, portanto, buscará identificar e estudar a relação desse patrimônio edificado com o comércio exportador cafeeiro por meio desses almanaques comerciais, que muitas vezes evidenciam a instalação de determinadas empresas a estes endereços, assim como uma permanência longeva ou efêmera, conforme acompanhados por esse tipo de documentação. Além disso, se buscará cruzar essas informações de uso e ocupação dessas edificações com outras evidências encontradas em jornais e periódicos, por meio da identificação de nomes dos sócios dessas empresas e locais por onde circulavam.

Os almanaques e anuários comerciais são fontes riquíssimas para o entendimento das cidades. Bastante populares no Rio de Janeiro desde, pelo menos 1840, versões específicas de São Paulo começaram a ser confeccionadas a partir dos anos 1870[2]. De todos esses anuários, certamente o mais longevo foi o Almanaque criado por Eduardo e Henrique von Laemmert em 1844 e reformada por Arthur Sauer em 1891. No acervo digital da Biblioteca Nacional foi possível acessar os volumes de 1844 a 1885 e os de 1891 a 1940[3].

A maioria desses anuários, no entanto, eram compostos de elementos frios, como uma grande listagem de tipos de comércio ou indústria e seus endereços. Foi a partir do início do século XX que, com a popularização da fotografia e produção de encadernados editoriais mais sofisticados, algumas publicações fundiram esse tipo de informações com o de registros geográficos. Faziam, assim, uma certa propaganda de suas cidades, com sua arquitetura renovada em meio aos processos de urbanização e saneamento ocorridos em diversas cidades do país. Apesar de não poder ser considerado exatamente como um anuário comercial strito sensu, a publicação “Impressões do Brazil no Século XX”[4], editada em 1913, pode ser considerada uma das inauguradoras desse tipo apresentação, ilustrando os verbetes das principais firmas comerciais atuantes de Santos com imagens da cidade após o saneamento.

Dentro desse gênero editorial, o anuário comercial São Paulo Moderno editado no ano de 1919, constitui-se em fonte privilegiada tanto do ponto de vista de registro histórico das principais firmas atuantes na cidade, como também da sua documentação visual. Na seção dedicada à Santos, além de apresentar uma cidade renovada, saneada e europeizada[5], alguns dos verbetes de casas comerciais apresentavam suas fachadas, nível de detalhamento bastante incomum.

Com isso, neste artigo pretende-se focar na análise dos verbetes apresentados e comparação com outros anuários comerciais e demais fontes textuais, buscando o entendimento do uso e ocupação de imóveis identificados e ainda existentes na atual rua do Comércio (antiga rua de Santo Antônio), localizado no bairro do Valongo, na cidade de Santos. Foram focados elementos como: 1) área de atuação da firma, no interior para nacionais e no exterior para internacionais; 2) tempo de funcionamento; 3) análise dos nomes dos sócios que compunham a firma para buscas de laços de parentesco para empresas familiares (grande parte delas).

Além disso, buscou-se compreender a atuação dessas firmas, utilizando-se de sua presença na cidade e porto de Santos, como um ponto médio que estendia suas atividades principais dentro ou fora do país. Entre comerciantes ligados a fazendeiros no interior de São Paulo ou comerciantes imigrantes representantes internacionais (ou até mesmo donos) de firmas exportadoras do grão, Santos aparecia no centro de uma convergência de interesses como um ponto médio entre comprador e vendedor.

RUA DO COMÉRCIO: DA PLANTA À TORRA

As firmas locatárias dos edifícios que foram aqui escolhidos e analisados fazem parte de três categorias: as de firmas comissárias que atuavam enquanto representantes de cafeicultores no interior de São Paulo (e eventualmente de outros Estados com regiões produtoras à época); exportadoras estrangeiras que possuíam filiais em Santos para representar seus interesses de compra; o “Pedro dos Santos”, um edifício específico que não se encaixa em nenhuma das categorias anteriores por não estar ligado a nenhuma companhia, mas abrigar salas comerciais de diversas empresas ligadas (ou não) ao café. Todos os edifícios aqui analisados fazem parte da antiga rua Santo Antônio, atual do Comércio. Dentre as características que unem estas construções, este talvez seja o principal elemento.

A pequena via que ligava o antigo largo do Rosário à igreja (e convento) de Santo Antônio do Valongo foi importante reduto de novos comerciantes desde, pelo menos, fins do século XVIII. Por sua proximidade à entrada do vilarejo era o primeiro lugar onde passavam as tropas de muares que vinham com produtos da serra do mar, era um local atrativo para instalação de pessoas que tinham o interesse de estar em contato direto com o interior (via tropas) e exterior (via porto). A construção da Calçada de Lorena em 1792 e o aterro do porto do Bispo (trecho contíguo à igreja e antigo convento do Valongo) em 1797 fizeram com que este fosse um dos principais pontos para instalação das empresas ligadas com o comércio exportador, primeiro do açúcar e, posteriormente, do café.[6]

Os anos 1860 fizeram com que a região vivesse mais um período de grande especulação. A construção naquela década da estrada de ferro São Paulo Railway faria com que as principais construções do período, como o conhecido casarão do Valongo e a Frontaria Azulejada — ambas feitas pelo abastado senhor de escravos e negociante de café Manoel Joaquim Ferreira Netto — fossem feitas na rua de Santo Antônio. Além disso, por essa grande concentração de companhias exportadoras de gêneros do interior, a via também possuía uma característica que a diferia das ruas coloniais: era mais larga, possivelmente para passagem de tropas e carros de muares. Isto faria também com que os edifícios daquela região do Valongo fossem em geral de dois ou mais andares, sendo o primeiro andar com um pé direito elevado, em geral utilizado para armazenamento de gêneros para exportação.

Tal proximidade com a estrada de ferro fez com que representantes de cafeicultores se instalassem naquela via. Foi o caso da firma Andrade, Junqueira & Cia, ligada a tradicional família paulistana Andrade Junqueira. As primeiras referências aparecem em 1918, já atrelada como envolvidas no processo de Defesa do Café, indicando que eram um grupo de comissários com muitos negócios na praça.[7] A sociedade apresentou crescimento ao longo da década de 1920 época em que foi possível localizar a sociedade em diversas tabelas de exportações, apesar de nem sempre figurar entre os principais exportadores[8]. Todavia, o fato de serem produtores e exportadores mostrava a força que tinham no mercado. No entanto entrariam em liquidação na década de 1930, sem que seja possível descobrir a razão da dissolução da sociedade[9].

Nome: Andrade, Junqueira & Cia.

Sócios: Aurelio de Andrade Junqueira, Bernardo Avelino de Andrade, Francisco de Andrade Junqueira e Joaquim Firmino de Andrade Junqueira

Atuação: Ribeirão Preto e Franca, interior de São Paulo; também atuavam como exportadores, sem informação de quais países eram representantes.

Período de Funcionamento: 1918 a 1930.

Em Santos, alugavam na rua de Santo Antônio (atual do Comércio) um imóvel de dois andares, onde a planta alta era destinada a escritórios e o térreo ao armazenamento do grão. Além desse edifício, de utilizavam outros dois também em Santos, um na rua Visconde Rio Branco, 75 e outro na XV de Novembro, 8-A. Em geral, grandes firmas possuíam mais de um imóvel no intuito de utilizá-lo como armazém, visto a necessidade de armazenamento do grão até o momento certo para vendê-lo pelo melhor preço encontrado no mercado.

Entre os três sócios dessa firma, estavam fazendeiros e homens públicos e de negócios das principais regiões produtoras de São Paulo. Um dos sócios, o coronel Bernardo Avelino de Andrade era fazendeiro da região de Franca e importante membro do Partido Republicano Paulista local, participante da organização da vida política local nos anos 1890[10]. Mesma importância tinha para a vida política local de Ribeirão Preto outros dois sócios da firma, Joaquim Firmino de Andrade Junqueira e Aurélio de Andrade Junqueira, pai e filho. Essas famílias tinham relação estreita com a Guarda Nacional local, e em geral guardavam títulos como coronel, capitão, major, etc[11].

É interessante a documentação sobre a firma Andrade Junqueira pois, ao analisar os nomes de seus componentes, não é encontrada qualquer menção à cidade de Santos ou vínculos com a elite local da cidade litorânea. No entanto, tinham três imóveis e eram firmas influentes na praça cafeeira da cidade, mostrando certa importância da presença física dessas elites do interior paulista na cidade de Santos, por ser um importante centro comercial, financeiro e de informações. Também apresentavam a característica já apresentada por Maria Apparecida Franco Pereira que, ao analisar o comissariado cafeeiro paulista, observou que os laços de parentesco entre fazendeiro e representante comercial eram importantes elementos dessas firmas, sendo funções desempenhadas em geral por filhos, sobrinhos, cunhados desses cafeicultores[12].

Nome: Christiano Osório de Oliveira.

Sócios: Christiano Osório de Oliveira e José Pereira de Oliveira (filho e administrador dos negócios em Santos).

Atuação: São João da Boa Vista, interior de São Paulo.

Período de Funcionamento: 1915 a c. 1931.

No mesmo espectro de comerciantes estava a sede da comissária Cristiano Osório de Oliveira. Seu nome aparece na documentação desde 1888 como fazendeiro de café na cidade de São João de Boa Vista[13]. Este cafeicultor em nada diferia dos Andrade Junqueira: tinha importante atuação no partido republicano de sua região[14], tinha patente de coronel na Guarda Nacional, além de ter designado seu filho, José Pedro de Oliveira (também cafeicultor em Campinas), como gerente de sua casa comercial em Santos.

Havia algo, no entanto, que o diferia dos outros comissários analisados: sua atuação como bancário, iniciada nos primeiros anos do século XX[15]. Esse fato, aliado ao seu registro na Junta Comercial de São Paulo de uma casa comissária no porto de Santos em 1915, seriam questões interligadas. Isto porque cafeicultores abastados buscavam cobrir a atuação comercial desde o financiamento da lavoura até a chegada do café no porto de Santos. O locus político e econômico desses sujeitos históricos acontecia de forma a tentar se fazer presente em todas as etapas de produção do café[16].

É difícil saber até quando funcionou o estabelecimento; sua última menção foi em 1931, no mesmo local na Rua de Santo Antônio nº 147 (atual do Comércio). Seu nome aparece ligado como credor de grandes somas de dinheiro desse período em diante, por isso não se imagina que tenha quebrado após a crise de 1929, tendo sua atuação como bancário possivelmente contribuído para esta questão.

Nome: Levy & Cia

Sócios: Jose Levy, Flaminio Levy e D. Anna Levy

Atuação: Campinas, interior de São Paulo.

Período de Funcionamento: déc. 1890 a déc. 1950.

Poderosos clãs familiares com representação política e econômica por gerações presentes na Praça de Santos com sede no Valongo não eram apenas nacionais. A firma comissária Levy & Cia foi fundada por José Levy, alemão que chegou ao Brasil em uma das primeiras levas de imigrantes em fins na década de 1850, patrocinadas pelos proprietários da fazenda Ibicaba. Após saldar sua dívida, abriu em 1883 um açougue e um estábulo com seu irmão, Simão, na cidade de Campinas[17].

Em 1896 a família Levy adquiriu a fazenda Ibicaba[18]. Mantiveram o plantio de café e também entraram na mesma época para o ramo de comissões de grão em Santos, firma que ficava sob gerência do filho de José Levy. Algo que, no entanto, difere das outras firmas é a presença de Flamínio Levy na cidade. Fixou residência e participou das estruturas da elite local na organização da praça cafeeira enquanto dirigente da Associação Comercial de Santos[19] e da vida política como membro do diretório do P.R.P santista[20]. A empresa teve vida longa, atravessando diversas crises. Em 1921 tornou-se uma Sociedade Anônima, também incorporando as atividades de exportação do grão[21]; nessa época ainda funcionavam no endereço apresentado, rua do Comércio n.137. Em 1954 aparecia como uma das mais antigas da cidade ainda em funcionamento[22].

Por falar da participação dos Levy nos rumos da política locais, houveram também aqueles comerciantes que eram ligados mais à cidade que ao interior. Era o caso dos imigrantes portugueses Antonio Pereira de Carvalho e Joaquim Pedro dos Santos. O primeiro, patrono da firma Carvalho & Faria, era um imigrante que chegou à Santos com quinze anos e que conquistou fortuna com o transporte de pedras e gêneros; em 1890 já era conhecido como “rei dos carroceiros” na cidade[23]. Diferente daqueles até então aqui apresentados, o capital foi conseguido com a exploração de negócios com transportes dentro da região portuária e então aplicado na compra de fazendas no interior, mantendo-se em Santos para que fosse possível obter controle nas vendas do café para os mercados consumidores.

Nome:Carvalho & Faria.

Sócios: Joaquim Pereira de Carvalho e Joaquim Augusto Faria.

Atuação: Bocaina, próximo à Jaú, e Santa Branca, no Vale do Paraíba paulista.

Período de Funcionamento: 1915 a 1920.

A Carvalho & Faria ocupou o edifício da atual rua Comércio n. 106 entre os anos de 1916 a 1920. A sociedade foi composta um ano antes da aquisição do imóvel, formada por Joaquim Pereira de Carvalho e Joaquim Augusto Faria. O primeiro, filho do patrono da empresa, atuava como cafeicultor na região de Bocaina, próximo à Jaú[24]; já Faria atuava também como agricultor na região de Santa Branca, no Vale do Paraíba paulista[25]. Após a morte do patrono em 1916, a sociedade não foi muito longeva, pois ainda no começo de 1920 foi constatado o requerimento de falência[26].

Todavia, o que é interessante notar é a forma como ocorriam os investimentos de capital e a tentativa de inserção em uma estrutura bastante coesa de modus operandi do comércio cafeeiro paulista: integrantes familiares da sociedade se localizavam em Santos e em alguma região do interior paulista, buscando otimizar os contatos com outros produtores ou uma melhor forma de vender o próprio produto para o mercado exterior. No caso do português Antônio Pereira de Carvalho, era ele quem se encarregava das questões na região portuária, enquanto seus filhos se inseriam nas estruturas políticas e econômicas das regiões produtoras, formando uma rede familiar de comércio do grão.

Nome: Produce & Warrant Company e Lloyd Real Belga.

Sócios: desconhecidos; Jules Doneaux, gerente na filial de Santos.

Atuação: Bélgica.

Período de Funcionamento: 1917–1960 (produce & warrant até c. 1927).

Já o segundo nome citado, o imigrante português Joaquim Pedro dos Santos, é o único nome que nada tem a ver com café além do edifício que levava seu próprio nome. Imigrante português, tinha desde 1888 com seu sócio João da Silva Monteiro, uma grande e importante loja de miudezas, entre tintas, louças, metais, cristais e outros artigos importados da Europa e Estados Unidos[27]. Sua grande ligação com o grão era o palacete, que abrigava advogados, médicos e salas comerciais de comissárias e corretoras. Dada a importância da edificação, funcionou também ali as primeiras instalações da Bolsa Oficial de Café entre os anos de 1917 a 1922[28] e, por algumas décadas no início do século XX, também abrigou a Produce & Warrant Co. e a Lloyd Real Belga, gigantes embarcadores com base na Antuerpia[29].

Como já foi dito, todas essas companhias atuavam em Santos, mas possuíam laços estreitos com uma (ou mais de uma) região produtora de café do interior, que em geral atuavam duplamente como cafeicultores e seus próprios representantes na praça cafeeira. Mas, como visto no caso da Royal Lloyd Belga, além destes comerciantes, atuavam também em Santos filiais de firmas estrangeiras. É possível, portanto, perceber que Santos era um ponto médio de uma grande rede nacional e internacional que unia interesses de compradores e vendedores do grão.

A ligação com o exterior podia ser vista com as exportadoras J. Aron & Cia e a W. F. McLaughlin & Cia. Ambas funcionavam na rua de Santo Antônio, nos números 58 e 70, respectivamente. Eram firmas estadunidenses que mantinham filiais em cidades portuárias chave para melhor negociação do grão, buscando a qualidade exigida pelos torrefadores locais (quando eles próprios também não assumiam essa função).

Nome: J. Aron & Co.

Sócios: Jacob Aron.

Atuação: Nova Orleans e Nova York — EUA.

Período de Funcionamento: 1915 a 1936 (no Brasil, com sede em Santos)

No caso da primeira, foi fundada pelo estadunidense Jacob Aron em 1898 na cidade de Nova Orleans, sendo transferida para Nova Iorque doze anos depois[30]. Em 1915 o próprio dono da companhia se mudaria para Santos, abrindo, junto com Ernest Struckmeyer, a filial brasileira no endereço citado no parágrafo anterior[31]. O comerciante norte-americano permaneceu na cidade até meados da década de 1930: a última menção da firma em 1934, ainda funcionando no mesmo local da foto[32]. O velho Aron continuaria como um importante importador de café nos EUA até a sua morte em 1964[33]. Sua firma foi vendida somente nos anos 1980 para o grande conglomerado Goldman Sachs[34].

Já no caso da firma W. F. MacLaughlin & Cia., que também levava seu nome por conta de seu fundador William Francis McLaughlin, a empresa ligava o elo contrário da cadeia exportadora do grão. Fundada em Illinois no ano de 1865[35] sob o nome de “McLaughlin Manor House”, foi uma das primeiras torrefações de café de Chicago[36].

Nome: McLaughlin & Cia

Sócios: George e Frederic McLaughlin; Edward A. Hisnberger, gerente na filial de Santos.

Atuação: Chicago — EUA.

Período de Funcionamento: 1893 a 1940.

A filial santista seria inaugurada apenas em 1893[37], mas não existe qualquer indício que as principais cabeças da firma tenham atuado em solo brasileiro, como no caso da J. Aron. Com a morte do patriarca, a companhia foi assumida pelos filhos George e Frederic. Não foram encontrados registros de que nenhum tenha atuado diretamente nas filiais da América do Sul da empresa. Sabe-se que em Santos, o gerente da casa desde 1905 era o imigrante também proveniente de Chicago, Edward A. Hisnberger.[38] Não se sabe exatamente quando terminaram suas operações no Brasil, mas a última referência (ainda no mesmo endereço na então rua do Comércio) ocorreria no começo da década de 1940[39].

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O porto de Santos consolidou-se a partir da década de 1880 enquanto o um ponto médio de firmas do interior e do exterior. Seria possível reconstituir, talvez, todo o circuito da planta à xícara (ou ao menos à torra e moagem) percorrendo a mesma antiga rua de Santo Antônio, onde se localizavam as firmas aqui analisadas. O fato de estarem presentes em uma mesma via, próximas à estrada de ferro e historicamente ligadas ao comércio (por isso seu atual nome, que passou a ser chamada a partir da década de 1920) trazem à tona a complexidade do porto de Santos na virada do século XIX para o XX.

Até 1880 a cidade contava com aproximadamente 20.000 habitantes[40] e pouco mais de 2.000[41] edifícios. Estes edifícios, em sua maior parte localizados na região central, possuíam usos múltiplos: habitação, comércio e também armazéns. Todavia, em 1901 o município apresentava um crescimento acanhado edifícios na cidade, comparado ao fluxo de cargas e pessoas que se intensificou: eram aproximadamente 45.000 habitantes e para 5.000 edifícios[42]. A necessidade de novas construções ia além, obviamente, da questão habitacional que, é forçoso dizer, era muito precária. Contudo, com o aumento do movimento comercial portuário, principalmente no recebimento da crescente produção paulista de café que era destinada ao mercado exterior, a necessidade de armazéns era a principal questão na narrativa da elite comerciante na cidade de Santos.

No centro de Santos, muitos edifícios foram construídos e outros adaptados e reformados para as necessidades do comércio cafeeiro. Em geral, se buscava um aspecto que se distanciasse da feição colonial dos edifícios existentes na cidade. Tal questão estava relacionada intimamente a um saneamento da cidade. Mas esse saneamento não estava ligado a questões como construção de uma rede esgotos ou técnicas de saúde pública que visavam a melhora da saúde da população. Guilherme Álvaro na obra de 1919 “A Campanha Sanitária de Santos” repetiria em diversos pontos sobre “o casario em geral feia, baixa e desgraciosa bordava ruas estreitas” de Santos. Buscava-se “simetria e elegância”

Infelizmente não foi encontrado nenhum documento que fale sobre a construção dos edifícios aqui analisados que tragam questões urbanísticas em seu bojo, mas sabe-se que a mesma casa Andrade Junqueira possuía um grande e luxuoso escritório na cidade de Ribeirão Preto, construído em 1922; abririam mais uma filial na cidade de São Paulo, na rua Libero Badaró, 133[43]. Sobre o edifício em Ribeirão, foi escrito uma nota na imprensa paulistana destacando a “aprimorada arquitetura” do local:

PROGRESSO LOCAL, Ribeirão Preto. Dentro de poucos dias será dado início à construcção de um grande edifício à rua Alvares Cabaral no terreno á “Branca Franceza e Italiana per l’America de Sud. Esse edifício será destinado ás instalações da firma Andrade Junqueira e Cia e da agencia local do Banco de São Paulo. A sua construcção ficará a cargo dos engenheiros drs. Geribello e Quevedo, obedecendo a todos os requisitos da aprimorada arquitetura.[44]

Essa abrangência de atuação das firmas, que estavam entre cidades como Santos, São Paulo (capital), Ribeirão Preto, Nova York ou Chicago destaca o deslocamento desses comissários e exportadores entre o litoral, o interior e exterior, fazendo com que suas idiossincrasias penetrassem cidades tão distantes como Ribeirão Preto e Santos, fazendo com que o ideal de modernidade fosse comum a transformação urbana dessas cidades.

Além disso, uma maior circulação de pessoas entre interior e exterior fazia com que existisse uma necessidade desses comerciantes e do poder público em fazer com que o espaço urbano fosse expressão estética dos progressos econômicos trazidos pelo café. Por isso o antagonismo entre os casarios “baixos e feios”, em geral de pedra e cal, e os (nem sempre) novos edifícios neoclássicos e ecléticos que começaram a surgir na virada do século XIX para o XX e que foram ocupados por estas mesmas firmas.

REFERÊNCIAS

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[1] São Paulo Moderno. São Paulo: Empreza Editora, 1919.

[2] Almanach Provincia de São Paulo: Administrativo, Commercial e Industrial, 1884–1888. Acervo Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional. Disponível em: https://bit.ly/37Yp2YR. Acesso em: 24 jun. 2020; Indicador Santista, 1887. Acervo Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional. Disponível em: https://bit.ly/37YGbSh. Acesso em: 24 jun. 2020.

[3] Cf. Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1844–1885. Acervo Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional. Disponível em: https://bit.ly/3eu50Io. Acesso em: 24 jun. 2020; Almanak Laemmert: Administrativo, Mercantil e Industrial, 1891–1940. Acervo Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional. Disponível em: https://bit.ly/2NqiwAN. Acesso em: 24 jun. 2020.

[4] Impressões do Brazil no XX. Londres: Lloyd’s Greater Britain Publishing Company, Ltd, 1913.

[5] É preciso que se compreenda que por “saneamento da cidade” entende-se tanto o processo de separação de águas, construção de esgotos etc., como também o de renovação da arquitetura da cidade. Guilherme Álvaro em seu compêndio memorial da Campanha Sanitária de Santos reforçava em diversos pontos de sua obra a substituição do antigo casario colonial como parte determinante dessa transformação. Cf. ALVARO, Guilherme. A Campanha sanitaria de Santos suas causas e seus effeitos. Disponível em: https://bit.ly/2Lgf8ao. Acesso em: 8 mai. 2020.

[6] MENDES, Denise. A Calçada do Lorena: o caminho de tropeiros para o comércio do açúcar paulista. Dissertação de Mestrado, USP, 1994.

[7] Correio Paulistano (SP). 5 jan. 1918, p.1. Acervo Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional.

[8] Diario da Noite (SP). 7 mai. 1927, p.7. Acervo Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional.

[9] Apesar da firma sumir dos números de exportações, ela apareceria ao longo da década de 1930 enquanto credores de outras firmas em liquidação, dando a entender que, possivelmente, os motivos da dissolução não seriam exatamente financeiros. Cf. Correio da Manhã (SP). 22 jul. 1938, p.9. Acervo Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional.

[10] O Commercio de S. Paulo (SP). 25 jul. 1895, p.2. Acervo Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional.

[11] Guarda Nacional. […] Compromisso: foram deferidos ao coronel commandante da 127a brigada de infantaria de Ribeirão Preto, Joaquim Firmino de Andrade Junqueira […]. Cf. Correio Paulistano (SP). 29 jan. 1908, p.3.

[12] PEREIRA, Maria Apparecida F. O Comissário de Café no Porto de Santos, 1870–1920. Dissertação (Mestrado em História), Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo, 1980.

[13] Almanach Província de São Paulo (SP). São João da Boa Vista, 1888, p. 669. Acervo Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional.

[14] Correio Paulistano (SP). 10 mar. 1907, p.3. Acervo Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional.

[15] Almanach da Comarca de Amparo (SP). São João da Boa Vista, 1912, p. 159. Acervo Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional.

[16] Sobre este aspecto do comissariado paulista, ver: FONTANARI, Rodrigo. Um banqueiro do café: a trajetória empresarial do Coronel Christiano Osório de Oliveira e as teias do crédito na economia cafeeira paulista (1890–1937). Tese de doutorado, programa de História Econômica da Universidade de São Paulo (USP-SP), 2015; MONTI, Carlo Guimarães. A trama do crédito: entre o café e o consumo conspícuo em uma loja de Ribeirão Preto (1891–1892). Anos 90, Porto Alegre, v.26 — e2019001–2019.

[17] Almanach da Provincia de São Paulo (SP). Cidade de Limeira. 1883, p.443. Acervo Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional.

[18] “Os srs. Simão e José Levy compraram por mil contos a parte da fazenda Ibicaba que pertenceu ao coronel Flaminio de Camargo. Os irmãos Levy ha uns trinta annos chegaram ao Brasil vindo empregar sua actividade na fazenda Ibicaba, então de propriedade do velho Vergueiro; hoje são os unicos proprietarios da mesma fazenda, cujo valor sobe a quasi 4 mil contos”. Cf. O Commercio de S. Paulo (SP). 5 abr. 1896, p.2. Acervo Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional.

[19] O Jornal (RJ). 14 jul. 1934, p.2. Acervo Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional.

[20] A Gazeta (SP). 22 mar. 1930, p.4. Acervo Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional.

[21] Wileman’s Review (RJ). Partidas de café Santos. 14 dez. 1921, p.208. Acervo Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional.

[22] Diario de Pernambuco (PE). Edição Especial dedicada ao Café. 24 jul. 1954, p.11. Acervo Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional.

[23] São Paulo Moderno. São Paulo: Empreza Editora, 1919, p. 248.

[24] Correio Paulistano (SP). 1 nov. 1916, p.3. Acervo Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional.

[25] Correio Paulistano (SP). 8 jan. 1919, p.3. Acervo Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional.

[26] Correio Paulistano (SP). 8 mai. 1920, p.5. Acervo Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional.

[27] São Paulo Moderno. São Paulo: Empreza Editora, 1919, p. 243.

[28] São Paulo Moderno. São Paulo: Empreza Editora, 1919, p. 243.

[29] São Paulo Moderno. São Paulo: Empreza Editora, 1919, p. 153–154.

[30] “Jacob Aron was born in Ebenzer, Mississipi, in 1871. He was the son of a cotton planter. At the age of 15 he started to work for others in New Orleans. In 1898 he formed a parnership in New Orleans to engage in the business of distributing coffee imported from Brazil and of distributing sugar and rice purchased from Louisiana planter. […]”. Cf. OWEN, Mabel M. Reports of the United States Board of Tax Appeals. Washington: United States Government Printing Office, 1942.

[31] “CONTRATOS COMERCIAES. Foram registrados na Junta Commercial deste Estado os seguintes contractos firmados na praça de Santos: de Jacob Aron e Ernest Struckmeyer, para compra, venda e exportação de café, com o capital de 20.000 libras, sob a firma J. Aron e C”. Cf. A Gazeta (SP). 14 jan. 1915, p.8. Acervo Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional.

[32] Diario Carioca (RJ). 15 mai 1934, p.25. Acervo Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional.

[33] The New York Times. 31 ago. 1964, p.25.Acervo Hemeroteca Digital The New York Times.

[34] ENDLICH, Lisa. Goldman Sachs: the culture of success. New York: Touchstone, p. 91–92.

[35] Existem também informações sobre a fundação da empresa em 1842, porém prima-se pela data dada por William Uckers em “All About Coffee”. Cf. UCKERS, William H. All about coffee. Estados Unidos da America: Burr Printing House, 1935.

[36] MADE in Chicago Museum. Museum Artefact: W. F. McLaughlin Imperial & Java Coffee, c. 1900. Disponível em: https://www.madeinchicagomuseum.com/single-post/w-f-mclaughlin/ Acesso em: 9 set. 2020.

[37] IMPRESSÕES do Brazil no século XX. Londres: Lloyd’s Greater Britain Publishing Company, Ltd. Disponível em: https://www.novomilenio.inf.br/santos/h0300g39gb.htm. Acesso em: 9 set. 2020.

[38] “William F. McLaughlin founded the firm of W. F. McLaughlin & Co. in 1865. He died in 1905; and the business was incorporated with his son, George D., as president and another son, Frederick, as secretary and treasurer”. Cf. UCKERS, William H. All about coffee. Estados Unidos da America: Burr Printing House, 1935.

[39] Correio Paulistano (SP). 19 fev. 1941, p.14. Acervo Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional.

[40] ALVARO, Guilherme. A campanha sanitária de Santos, suas causas e seus efeitos, 1914. Novo Milênio. Histórias e Lendas de Santos. 3 nov. 2007. Disponível em: http://www.novomilenio.inf.br/santos/h0353d.htm. Acesso em: 21 nov. 2019.

[41] Correio Paulistano. São Paulo, nº 7898, 20 de jan. de 1883. Hemeroteca Digital Biblioteca Nacional.

[42] ESTADO de São Paulo. Prefeitura Municipal de Santos. Recenceamento da cidade e municipio de Santos em 31 de dezembro de 1913. Santos, 1914. Disponível em: http://www.novomilenio.inf.br/santos/h0296a.htm. Acesso em: 1 ago. 2019.

[43] Almanak Laemmert Administrativo, Mercantil e Industrial (RJ). Representantes de casas commerciaes, companhias e fabricas nacionaes e estrangeiras 1927, p.136. Acervo Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional.

[44] Correio Paulistano (SP). 9 nov. 1922, p.5. Acervo Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional.

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